sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Se não der frutos,
valeu pela beleza das flores,
se não der flores,
valeu pela sombra das folhas,
se não der folhas,
valeu pela intenção da semente.
(Henfil)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Iglesia Sta.Cristina de Valeije



Não sei quantos anos durou a construção, muitos com certeza. Ficou pronta em 1.500 (descobrimento do Brasil). Valeije/Galícia/España(60 Km de Vigo)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

01/12/2010
Tiririca é absolvido pela Justiça Eleitoral em SP

Juiz considerou que deputado federal eleito não é 'analfabeto absoluto'.
Ação investigava suposta declaração de escolaridade falsa.


Tiririca foi absolvido pela Justiça Eleitoral de São
Paulo (Foto: Roney Domingos/ G1)O juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Aloísio Sérgio Rezende Silveira, absolveu nesta quarta-feira (1º) o deputado federal eleito Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, na ação penal que apurava se ele teria inserido declaração falsa, afirmando saber ler e escrever, entregue no pedido de registro de candidatura para as eleições 2010.

Tiririca teve mais de 1,3 milhão de votos na eleições do dia 3 de outubro, sendo o deputado federal mais bem votado do país.



Tiririca 'leu e escreveu' em audiência, diz presidente do TRE-SPPromotor diz que Tiririca acertou menos de 30% do ditado'Ele leu e escreveu e de forma satisfatória', diz advogado de TiriricaSilveira entendeu que basta o conhecimento rudimentar da leitura e da escrita para se afastar a condição de analfabeto. "A Justiça Eleitoral tem considerado inelegíveis apenas os analfabetos absolutos, e não os funcionais", considerou o juiz.

O juiz afirma na sentença que Tiririca não é um analfabeto absoluto e portanto tem todas as condições de exercer seus direitos políticos.

"O acusado submeteu-se por duas vezes ao exercício da leitura, seguido de compreensão de texto, a afastar qualquer dúvida quanto a não ser um analfabeto absoluto, pelo menos para fins de exercício de seus direitos políticos", diz o juiz na sentença.

De acordo com o juiz, "do conteúdo probatório trazido pela defesa e complementado pelo ditado simples, seguido de leitura e compreensão de texto, impõe-se a sua absolvição sumária quanto ao fato imputado no aditamento da denúncia, com fundamento no disposto no artigo 397, III do CPP (que o fato narrado evidentemente não constitui crime), tornando irrelevante a investigação sobre quem, como ou em que circunstâncias a declaração que continha a afirmação de que saber ler e escrever foi produzida".


A notícia acima foi transcrita do portal G1 SP.

Não posso furtar-me a um comentário pessoal. Há que considerar-se que qualquer impugnação, neste momento, não representaria, puramente, uma impugnação e sim um desrespeito aos eleitores do Tiririca que exerceram o direito que lhes dá a condição de cidadãos. Constitucionalmente cidadão é todo brasileiro que esteja no pleno gozo dos seus direitos políticos.
Não há quem tenha o direito de criticar esses cidadãos, muito menos quem possa chamá-los de imbecis já que, à sua maneira, no mínimo, protestaram; e fizeram-no legalmente, lançando mão do instrumento correspondente, para tanto: o voto. Não podemos esquecer que foram 1,3 milhão de eleitores, um considerável universo em que, indubitávelmente, encontraremos pessoas de todas as classes e camadas sociais e com os mais diversos níveis culturais e de escolaridade. Se temos vontade de mudar essa forma de protesto devemos fazê-lo através do legislativo, lançando mão, por exemplo, da própria rede. Uma das possibilidades seria pela alteração do, atual, sistema de voto obrigatório para facultativo, sem esquecer que o processo para tanto é extremamente difícil já que estamos falando de uma cláusula pétrea. Mas se seguirmos essa linha de raciocínio porque não falar em correção do nosso regime de governo já que o atual é híbrido. Explico: temos um regime presidencialista com um instrumento do parlamentarismo, a medida provisória. Isso no entanto já é outro tema...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

DIVAGAÇÕES

"Só há bons ventos para quem sabe aonde vai."

...se não for o seu caso, reme!

terça-feira, 27 de julho de 2010

"EU ETIQUETA"

"Em minha calça está grudado um nome
que não é o meu de batismo ou cartório,
um nome ... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nessa vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
que nunca experimentei
mas são comunicados aos meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, de abuso, reincidências,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio
itinerante, escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim mesmo.
Ser pensante sentinte e solitário
com outros seres diversos e consistentes
de sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio
ora vulgar, ora bizarro
em língua nacional ou em qualquer
língua [qualquer principalmente].
E nisso me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares, festas, praias, pérgulas,
piscinas,
bem à vista exibo esta etiqueta global
no corpo que desiste de ser
veste e sandálias de uma essência tão
viva, independente, que moda ou
suborno algum compromete.

Onde terei jogado fora meu gosto e
capacidade de escolher, minhas
idiossincrasias tão pessoais, tão minhas
que no rosto se espelhavam a cada gesto,
cada olhar, cada vinco da roupa sou
gravado de forma universal, saio da
estamparia, não da casa, da vitrine me
tiram, recolocam, objeto pulsante, mas
objeto que se oferece como signo de
outros objetos estáticos tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso de
ser não eu, mas artigo industrial, peço
que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu novo nome é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente."



Carlos Drummond de Andrade

S de saudades, de Saramago

"(...)
E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que de facto o rei perguntou...
Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem.
Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de cara.
A ilha desconhecida, repetiu o homem.
Disparate, já não há ilhas desconhecidas.
Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas.
Estão todas nos mapas.
Nos mapas só estão as ilhas conhecidas.
E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura. Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida.
A quem ouviste tu falar dela, perguntou o rei, agora mais sério.
A ninguém.
Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe.
Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida.
E vieste aqui para me pedires um barco.
Sim, vim aqui para pedir-te um barco.
E tu quem és, para que eu to dê.
E tu quem és, para que não mo dês. (...)"

José Saramago
O conto da ilha desconhecida.
São Paulo: Companhia das Letras. 1998

domingo, 25 de julho de 2010

CIUDADANÍA

CIUDADANÍA

El sociólogo inglés T. H. Marshall escribió un ensayo fundamental sobre el concepto de ciudadanía (Ciudadanía y Clases Sociales – 1950)
Hasta hoy existe el debate sobre su tesis, si puede ser ampliada y interpretada como una teoría general de la ciudadanía o sólo un concepto aplicable únicamente a la sociedad inglesa a que se refería. La mirada de Marshall analiza la ciudadanía desde tres puntos de vista: los derechos civiles, derechos políticos y derechos sociales. Notase, por supuesto, que así lo hace en función del desarrollo histórico de los siglos: XVIII, derechos civiles; XIX, derechos políticos y XX, derechos sociales. Fue suya la introducción distintiva de los derechos sociales. Para este inolvidable nombre de las ciencias sociales, no es posible llegarse a la ciudadanía plena sin tenerse, al mismo tiempo, esos tres tipos de derechos y sin que los mismos estén en función de la clase social a que se pertenezca. Para Marshall la ciudadanía es “aquel status que se concede a los miembros de pleno derecho de una sociedad”, lo que no excluye la desigualdad de status ni la presencia de miembros sin plenos derechos. Es un titulo que iguala sus beneficiarios en derechos y obligaciones; mas es un titulo que se conquista y se rellena progresivamente de contenido. Su evolución, según Marshall, coincidió con el capitalismo que no es un sistema de igualdad sino de desigualdad. Su legitimación, aun que pueda parecer paradoxal, apoyase en la función integradora del desigual tendiendo a una identidad y una solidaridad sobre una supuesta y tolerable desigualdad. En el Brasil tuvimos, según José Murilo de Carvalho (Cidadania no Brasil – O Longo Caminho. P.45) la herencia colonial pesando mas en la área de los derechos civiles que quedaron solo en la ley y de ella no traspasaron. El nuevo país (1822/1930) heredó la esclavitud que negaba la condición humana del esclavo; heredó la gran propiedad rural cerrada a la acción de la ley y heredó un Estado comprometido con el poder privado. Esos tres obstáculos al ejercicio de la ciudadanía civil se revelaron persistentes.
(p.219)
“Uma das razões para a nossas dificuldades pode ter a ver com a natureza do percurso que descrevemos. A cronologia e a lógica da sequência descrita por Marshall foram invertidas no Brasil. Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em um período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular (Getúlio Vargas). Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os orgãos de representação política foram transformados em peça decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje, muitos direitos civis, a base da sequência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo.”

La tesis de Thomas Humphrey Marshal en su correcta cronología:
1. El elemento civil, compuesto por los derechos necesarios para la libertad individual: libertad de la persona, de expresión, de pensamiento u religión, derecho a la propiedad y a establecer contratos válidos y derecho a la justicia;
2. El elemento político, cuyo contenido es el derecho a participar en el ejercicio del poder político como miembro de um cuerpo investido de autoridad política o como elector de sus miembros;
3. El elemento social, que abarca un amplio espectro de derechos, desde el derecho a la seguridad y a un mínimo de bienestar económico al de compartir plenamente la herencia social y vivir la vida de un ser civilizado conforme a estándares predominantes en la sociedad.
Anibal Miguel
…de las clases de sociología del profesor Felipe en la
“Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo”

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Napoleão



Um gato muito folgado

domingo, 10 de janeiro de 2010

"Uma Mensagem a Garcia"

"Em todo este caso Cubano, um homem se destaca no horizonte de minha memória como o planeta Marte no seu periélio. Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, o que importava e estes era comunicar-se rapidamente com o chefe dos insurrectos, Garcia, que se sabia encontrar-se em alguma fortaleza no interior do sertão cubano, mas sem que se pudesse precisar exatamente onde. Era impossível comunicar-se com ele pelo correio ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente tinha que tratar de assegurar-se da sua colaboração, e isto o quanto antes. Que fazer?

Alguém lembrou ao Presidente: “Há um homem chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há de ser Rowan”.

Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entrega-la a Garcia. De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro impermeável, amarrou-a sobre o peito, e, após quatro dias, saltou, de um barco sem coberta, alta noite, nas costas de Cuba; de como se embrenhou no sertão, para depois de três semanas surgir do outro lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil e entregando a carta a Garcia – são cousas que não vem ao caso narrar aqui pormenorizadamente. O ponto que desejo frisar é este: Mac Kinley deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan pegou a carta e nem sequer perguntou: “Onde é que ele está?”.

Hosannah! Eis aí um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze imarcescível e sua estátua colocada em cada escola do país. Não é de sabedoria livresca que a juventude precisa, nem instrução sobre isto ou aquilo. Precisa, sim, de um endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se altivo no exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia.

O General Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias. A nenhum homem que se tenha empenhado em levar adiante uma empresa, em que a ajuda de muitos se torne precisa, têm sido poupados momentos de verdadeiro desespero ante a imbecilidade de grande número de homens, ante a inabilidade ou falta de disposição de concentrar a mente numa determinada cousa e fazê-la.

Assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante e trabalho malfeito parecem ser a regra geral. Nenhum homem pode ser verdadeiramente bem-sucedido, salvo se lançar mão de todos os meios ao seu alcance, quer da força, que do suborno, para obrigar outros homens a ajudá-lo, a não ser que Deus Onipotente, na sua grande misericórdia, faça um milagre enviando-lhe como auxiliar um anjo de luz.

Leitor amigo, tu mesmo podes tirar a prova. Estás sentado no teu escritório rodeado de meia dúzia de empregados. Pois bem, chama um deles e pede-lhe: “Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e de me fazer uma descrição sucinta da vida de Corrégio”.

Dar-se-á o caso do empregado dizer calmamente: “Sim, senhor” e executar o que se lhe pediu?

Nada disso! Olhar-te-á perplexo e de soslaio para fazer uma ou mais das seguintes perguntas:

Quem é ele?

Que enciclopédia?

Onde é que está a enciclopédia?

Fui eu acaso contratado para fazer isso?

Não quer dizer Bismark?

E se Carlos o fizesse?

Já morreu?

Precisa disso com urgência?

Não será melhor que eu traga o livro para que o senhor mesmo procure o que quer?

Para que quer saber disso?

E aposto dez contra um que, depois de haveres respondido a tais perguntas, e explicado a maneira de procurar os dados pedidos e a razão por que deles precisas, teu empregado irá pedir a um companheiro que o ajude a encontrar Garcia, e, depois, voltará para te dizer que tal homem não existe. Evidentemente, pode ser que eu perca a aposta; mas, segundo a lei das médias, jogo na certa. Ora, se fores prudente, não te darás ao trabalho de explicar ao teu “ajudante” que Corrégio se escreve com “C” e não com “K”, mas limitar-te-ás a dizer meigamente, esboçando o melhor sorriso: “Não faz mal; não se incomode”, e, dito isto, levantar-te-ás e procurarás tu mesmo. E esta incapacidade de atuar independentemente, esta inépcia moral, esta invalidez da vontade, esta atrofia de disposição de solicitamente se pôr em campo e agir – são as cousas que recuam para um futuro tão remoto o advento do socialismo puro. Se os homens não tomam a iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão quando o resultado de seu esforço redundar em benefício de todos? Por enquanto parece que os homens ainda precisam de ser feitorados. O que mantém muito empregado em seu posto e o faz trabalhar é o medo de, se não o fizer, ser despedido no fim do mês. Anuncia precisar de um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão ortografar nem pontuar – e, o que é mais, pensam que não é necessário sabê-lo.

Poderá uma pessoa destas escrever uma carta a Garcia?

“Vê aquele guarda-livros”, dizia-me o chefe de uma grande fábrica.

“Sim, que tem?”

“É um excelente guarda-livros. Contudo, se eu o mandasse fazer um recado, talvez se desobrigasse da incumbência a contento, mas também podia muito bem ser que no caminho entrasse em duas ou três casas de bebida, e que, quando chegasse ao seu destino, já não se recordasse da incumbência que lhe fora dada”.

Será possível confiar-se a um tal homem uma carta para entregá-la a Garcia?

Ultimamente temos ouvido muitas expressões sentimentais externando simpatia para com os pobres entes que mourejam de sol a sol, para com os infelizes desempregados à cata do trabalho honesto, e tudo isto, quase sempre, entremeado de muita palavra dura para com os homens que estão no poder.

Nada se diz do patrão que envelhece antes do tempo, num baldado esforço para induzir eternos desgostosos e descontentes a trabalhar conscienciosamente; nada se diz de sua longa e paciente procura de pessoal, que, no entanto, muitas vezes nada mais faz do que “matar o tempo”, logo que ele volta as costas. Não há empresa que não esteja despedindo pessoal que se mostre incapaz de zelar pelos seus interesses, a fim de substituí-lo por outro mais apto. E este processo de seleção por eliminação está se operando incessantemente, em tempos adversos, com a única diferença que, quando os tempos são maus e o trabalho escasseia, a seleção se faz mais escrupulosamente, pondo-se fora, para sempre os incompetentes e os inaproveitáveis. É a lei da sobrevivência do mais apto. Cada patrão, no seu próprio interesse, trata somente de guardar os melhores – aqueles que podem levar uma mensagem a Garcia.

Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas sem a fibra realmente precisa para gerir um negócio próprio e que ademais se torna completamente inútil para qualquer outra pessoa, devido à suspeita insana que constantemente abriga de que seu patrão o esteja oprimindo ou tencione oprimi-lo. Sem poder mandar, não tolera que alguém o mande. Se lhe fosse confiada uma mensagem a Garcia, retrucaria provavelmente: “Leve-a você mesmo”.

Hoje este homem perambula errante pelas ruas em busca de trabalho, em quase petição de miséria. No entanto ninguém que o conheça se aventura a dar-lhe trabalho porque é a personificação do descontentamento e do espírito de réplica. Refratário a qualquer conselho ou admoestação, a única cousa capaz de nele produzir algum efeito seria um bom pontapé dado com a ponta de uma bota de numero 42, sola grossa e bico largo.

Sei, não resta dúvida, que um indivíduo moralmente aleijado como este não é menos digno de compaixão que um fisicamente aleijado. Entretanto, nesta demonstração de compaixão, vertamos também uma lágrima pelos homens que se esforçam por levar avante uma grande empresa, cujas horas de trabalho não estão limitadas pelo som do apito e cujos cabelos ficam prematuramente encanecidos na incessante luta em que estão empenhados contra a indiferença desdenhosa, contra a imbecilidade crassa e a ingratidão atroz, justamente daqueles que, sem o seu espírito empreendedor, andariam famintos e sem lar.

Dar-se-á o caso de eu ter pintado a situação em cores demasiado carregadas? Pode ser que sim; mas, quando todo mundo se apraz em divagações, quero lançar uma palavra de simpatia ao homem que imprime êxito a um empreendimento, ao homem que, a despeito de uma porção de empecilhos, sabe dirigir e coordenar os esforços de outros e que, após o triunfo, talvez, verifique que nada ganhou; nada, salvo a sua mera subsistência.

Também eu carreguei marmitas e trabalhei como jornaleiro, como, também tenho sido patrão. Sei, portanto, que alguma cousa se pode dizer de ambos os lados.

Não há excelência na pobreza de per si; farrapos não servem de recomendação. Nem todos os patões são gananciosos e tiranos, da mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos.

Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha conscienciosamente, quer o patrão esteja, quer não. E o homem que, ao lhe ser confiada uma carta para Garcia, tranqüilamente toma a missiva, sem fazer perguntas idiotas, e sem a intenção oculta de jogá-la na primeira sarjeta que encontrar, ou praticar qualquer outro feito que não seja entregá-la ao destinatário, esse homem nunca fica “encostado” nem tem que se declarar em greve para forçar um aumento de ordenado.

A civilização busca ansiosa, insistentemente, homens nestas condições. Tudo que um tal homem pedir, ser-lhe-á concedido. Precisa-se dele em cada cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O grito do mundo inteiro praticamente se resume nisso: Precisa-se, e precisa-se com urgência de um homem capaz de levar uma mensagem a Garcia."

ELBERT HUBBARD

"Minha vida."


"Três paixões, simples mas irresistivelmente fortes, governaram minha vida: o desejo imenso do amor, a procura do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Essas paixões, como os fortes ventos levaram-me de um lado para outro, em caminhos caprichosos, para além de um profundo oceano de angústias, chegando à beira do verdadeiro desespero.
Primeiro busquei o amor, que traz o êxtase – êxtase tão grande que sacrificaria o resto de minha vida por umas poucas horas dessa alegria. Procurei-o, também, porque abranda a solidão – aquela terrível solidão em que uma consciência horrorizada observa, da margem do mundo, o insondável e frio abismo sem vida. Procurei-o, finalmente, porque na união do amor vi, em mística miniatura, a visão prefigurada do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isso foi o que procurei e, embora pudesse parecer bom demais para a vida humana, foi o que encontrei.
Com igual paixão busquei o conhecimento. Desejei compreender os corações dos homens. Desejei saber por que as estrelas brilham. E tentei apreender a força pitagórica pela qual o número se mantém acima do fluxo. Um pouco disso, não muito, encontrei.
Amor e conhecimento, até onde foram possíveis, conduziram-me aos caminhos do paraíso. Mas a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra. Ecos de gritos de dor reverberam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desprotegidos – odiosa carga para seus filhos – e o mundo inteiro de solidão, pobreza e dor transformaram em arremedo o que a vida humana poderia ser. Anseio ardentemente aliviar o mal, mas não posso, e também sofro.
Isso foi a minha vida. Achei-a digna de ser vivida e vivê-la-ia de novo com a maior alegria se a oportunidade me fosse oferecida."


RUSSEL, Bertrand. Revista Mensal de Cultura, Enciclopédia Bloch, nº 53, set. 1971, p.83